Muita fé, improvisos e a cabra Lady Gaga como amuleto da sorte: como se preparam escolas de samba das últimas divisões de SP

O g1 visitou a Isso Memo, na Zona Norte da capital, faltando uma semana para o dia do desfile. A escola usa um terreno no Parque Peruche como barracão improvisado para ensaiar, criar fantasias e também abrir espaço para programas sociais.

Por Deslange Paiva, g1 SP — São Paulo

“No final tudo dá certo.” É com muita fé que os membros de escolas de samba que estão distantes do Grupo Especial e fazem parte dos Grupos de Acesso da Uesp (União das Escolas de Samba de São Paulo) estão finalizando os ajustes para conseguir desfilar no carnaval de 2023.

Diferentemente das agremiações que fazem parte da Liga SP, elas não possuem grandes espaços de ensaio, muito menos fantasias luxuosas, e acabam improvisando muito para conseguir entrar na avenida. Nos últimos cinco dias, o g1 esteve em contato e acompanhou a rotina de duas escolas de samba da categoria (veja vídeo acima).

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• A Uesp é equivalente à “Série B” das escolas de samba em SP
• As escolas que fazem parte deste grupo ganham cerca de R$ 50 mil no ano, de forma parcelada, para investir no carnaval
• Dentro da Uesp existem, por sua vez, seis categorias: Especial de Bairros (a principal, em que as escolas mais bem colocadas podem subir para a Liga), Acesso de Bairros I, II e III (a última categoria); Especial Blocos e Acesso Blocos
• O g1 visitou a escola Isso Memo (do Peruche, que faz parte do grupo de Acesso de Bairros I) e conversou com o presidente da Iracema Meu Grande Amor (do Jardim Iracema, que ficou em 12º lugar no grupo de Acesso de Bairros III no carnaval de 2022)
• Neste ano, os desfiles das escolas da Uesp ocorrem no Butantã, na Zona Oeste, e na Avenida Alvinópolis, na Zona Leste, nos dias 19 e 20 de fevereiro
• Em 2023, 3 escolas da Liga descem para a Uesp. Como consequência disso, 3 escolas da Uesp que ficarem nas piores colocações também caem e ficarão sem desfilar por um ano e as 3 melhores sobem para a Liga

“É muito complexo, tudo falta numa escola que está iniciando. Você precisa de ajuda para tudo. Hoje nós sobrevivemos de ajuda, de voluntariado, de patrocínio do próprio bairro, do pessoal da comunidade que, por amor – com as lacunas que os órgãos municipais deixam em aberto – tentam preencher isso frequentando a escola”, conta Claudio Scabin, conhecido como Lipão, presidente e um dos fundadores da escola de samba Isso Memo, que fica no Parque Peruche, na Zona Norte da capital.

A Isso Memo foi fundada em 2007 por Lipão e um grupo de amigos que tinham um time de futebol no bairro. Ele conta que o grupo montou uma roda de samba por brincadeira em um bar, mas, com o passar dos dias, mais moradores começaram a frequentar o samba e logo surgiu a ideia de montar uma escola.

Lipão, fundador da escola Isso Memo — Foto: Fábio Tito/ g1

A escola entrou para a Uesp e realizou seu primeiro desfile em 2017, homenageando Willian Shakespeare. Em 2019, ela conseguiu ficar em 4º lugar no grupo de Acesso II de Bairros e, em 2022, homenageando Bezerra da Silva, conquistaram o 4º lugar no Acesso I.

Neste ano, no grupo de Acesso I, a Isso Memo tem direito a desfilar com um carro alegórico. Eles pretendem colocar cerca de 500 integrantes da escola na Avenida Alvinópolis, na Zona Leste, na segunda (20).

• No regulamento da Uesp, o grupo Especial de Bairros é obrigado a desfilar com, no mínimo, dois carros alegóricos
• Os participantes dos grupos de Acesso I e II têm direito a desfilar com um carro alegórico
• O grupo de Acesso III não pode desfilar com carro, apenas com dois tripés

“Nós fomos subindo de pouquinho em pouquinho, agora estamos no Acesso I, queremos ir para o Especial e finalmente ir para os grupos da Liga. De pouco em pouco, vamos conseguir”, afirma Lipão.

A escola usa um terreno como uma espécie de barracão improvisado no Parque Peruche para ensaiar, criar fantasias e também abrir espaço para programas sociais, como aulas de karatê. Além disso, o local abriga alguns animais, incluindo uma cabra que foi carinhosamente chamada de Lady Gaga e virou o amuleto da sorte da escola.

A Lady Gaga e um outro bode, que também vive no local, seriam sacrificados, mas foram comprados pela diretoria há cerca de 4 anos. Atualmente, elas participam até dos ensaios da escola.

“Elas foram ficando por aí, a comunidade criou gosto, virou mascote da escola e amuleto da sorte”, disse Lipão.

O g1 visitou o local na segunda-feira (13), faltando uma semana para o dia do desfile, e os membros da escola estavam finalizando a montagem do carro alegórico. A repórter estava mais preocupada com a finalização dos ajustes do que eles, que repetiam o tempo todo, quase que como um mantra, a frase “no final, vai dar tudo certo”.

Como os preparativos para o desfile são feitos em um espaço aberto, nas últimas semanas a escola sofreu com problemas causados pela chuva e foi preciso improvisar uma cobertura com uma lona para continuar a montagem do carro.

“Nossa alegoria está pronta, ela está madeirada. Mas nós estamos esperando chover para não ter mais problemas, depois da chuva vamos finalizar o carro, só falta grampear”, afirma Lipão.

Durante a visita, Lipão teve que sair às pressas para pegar a fantasia do mestre-sala mirim da escola.

“Esta última semana está bem puxada, é muita coisa para fazer em pouco tempo, não temos estrutura, não temos cobertura, então a chuva complica. Não dá para finalizar muito bem o carro porque se tiver uma tempestade vamos perder coisa. Já perdemos bastante coisa. Mas assim, as fantasias estão encaminhadas, dá um nervosismo, mas no final tudo dá certo”, afirma Raphael Borges, um dos diretores da escola.

Tatuagem de Raphael. — Foto: Fábio Tito/ g1

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Raphael é chef de cozinha e por muitos anos fez parte de escolas de samba grandes até que se aproximou da Isso Memo para fazer um trabalho social e acabou entrando para a diretoria da escola.

Carnavalesco que vira mágico

“Eles pensam que contrataram um carnavalesco, mas contrataram um mágico, é o que eu estou fazendo aqui: mágica”, afirma Pedrinho Pinotti, o carnavalesco contratado pela Isso Memo. Aos 82 anos, ele foi convidado para organizar o desfile de 2023 da escola.

Neste ano, a escola decidiu investir em nomes já consagrados para tentar subir de nível. Pedrinho trabalha há 54 anos com carnaval, principalmente com escolas da Liga. Além de Pedrinho, o intérprete do samba-enredo da escola deste ano é Freddy Viana, que cantou o samba da Mancha Verde, campeã do grupo Especial de 2022.

“Vim para a Isso Memo este ano, acabei aceitando o convite do presidente. Quando você chega em uma escola pequena você fala: ‘Tem isso?’, ‘Não’, ‘Tem aquilo?’, “Não’, mas tem eu e precisamos colocar o carnaval na avenida. Eles pensam que contratam um carnavalesco, mas não, eles precisam de um mágico, além de carnavalesco você precisa ser mágico, a gente transforma o que não tem no que precisa.”

Pinotti está trabalhando na escola com a esposa, Sonia Maria Valente Pinoche, de 78 anos. “O segredo é trabalhar com o que gosta, o que faz a gente feliz, e eu trabalho com o que gosto e que faço feliz. Quando é escola pequena você não chega para fazer, você primeiro organiza e depois faz o seu trabalho, por isso trouxe minha esposa e o rapaz com quem trabalho há 14 anos, pois tenho certeza que no dia do desfile a escola vai entrar exatamente do jeito que eu quero que entre”, continua Pinotti.

Pinotti e a esposa Sonia Maria — Foto: Fábio Tito/ g1

A escola tem até um espaço apelidado pelos frequentadores de “volume morto”, que é onde ficam fantasias de outros anos e até mesmo doadas por outras escolas e que serão reutilizadas.